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UM DIA DE TREINO - Parte 3


"Sapo" se aproxima e conta a Renzo sobre a cirurgia que vai fazer por conta de tendões estourados em seu joelho. “Não tente costurar os seus tendões, eles vão arrebentar de novo... O que você precisa fazer é colocar tendões de cadáver no lugar dos seus. Foi o que eu fiz – a recuperação é rápida e você nunca mais vai ter problemas. Eu alertei o Khabib (Nurmagomedov) quando ele operou; infelizmente ele não me ouviu e o joelho dele estourou novamente...”, afirmou Renzo.
 
A pausa acaba, o treino é retomado. Eles revisam mais uma vez todos os movimentos e situações, fazendo um passo-a-passo apenas conversando, sentados no tatame. 
 
“Toda vez que você bater, você cola com ele em seguida. Por que qual é o grande perigo?”, Renzo pergunta, repondendo na sequência: “O contra-ataque. 9 em cada 10 nocautes são contra-ataques.”
 
Eles se erguem novamente e recomeçam as instruções de pé, desta vez sobre joelhadas e cotoveladas, evoluindo para a execução de guilhotinas. A dificuldade que Neiman apresenta é gerada por um movimento errado de quadril, que o estava impedindo de encaixar o golpe com precisão. Renzo detecta o problema, explica a solução e a demonstra algumas vezes. Neiman anota no celular: “Pra não esquecer”, ele diz, compenetrado. Em seguida pede para tentar novamente. Então o golpe é perfeitamente executado. 
 
Novas questões surgem, como se aquele jogo pudesse se prolongar em infinitas variáveis. Renzo esclarece cada uma das possibilidades: são movimentos de articulações que, combinados em uma ordem específica, conduzem o corpo do oponente para becos-sem-saída. 
 
Mais alunos vão chegando para o treino da tarde. Os que já estavam na academia pegam escovões e baldes com água e limpam o suor do tatame. Duplas se formam e os jogos corporais vão eclodindo, intensidade e graça conjugadas, em diferentes pontos do amplo dojô.
 
RENZO: (sorrindo) Quanto mais você treina, mais sorte você tem.
 
Na academia há um sentimento perceptível de irmandade no ar, algo que amalgama todos os lutadores que circulam por ali, criando um tipo de conexão difícil de ser explicada para quem é estranho ao métier. Uma sensação compartilhada de pertencimento. Uma afirmação da presença de seus corpos, mas não só de seus corpos – uma vez que, estando sob risco permanente de ataque (o estado que caracteriza um lutador), aqueles corpos solicitam o envolvimento não apenas de músculos, tendões e sentidos, mas de mentes e espíritos. Consciência e animalidade, como pena e espada (mente e corpo, na metáfora do escritor japonês Yukio Mishima), unidos enfim.
 
São homens e mulheres que conversam alternando sorrisos e seriedade, peso e leveza, e que se atracam sobre o tatame, repletos de orgulhosos hematomas nos 
braços, costas, pernas... Rostos concentrados, monasticamente absorvidos em uma infinda atividade de entendimento, repetição e aperfeiçoamento de movimentos insuspeitos, que envolvem e expandem suas possibilidades inerentes.
 
(A propósito: Neiman Gracie venceu o combate no BELLATOR 246 que aconteceu em 12 de setembro em Connecticut, derrotando Jon Fitch por submissão no segundo round com uma chave de calcanhar. Renzo estava no corner, orientando seu sobrinho ao longo da luta.)