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PRIDE 1 (Parte 2)


"Quero mostrar que a semente que os japoneses plantaram no Brasil deu frutos", foi a declaração de Renzo para a TV japonesa antes da luta, num tom respeitoso que permeou sua atitude em todos os momentos do combate.
 
Seu oponente era Akira Shoji, um jovem e promissor lutador em início de trajetória nos grandes torneios. Para Shoji, enfrentar o imbatível Gracie, considerado um dos mais perigosos lutadores de MMA em atividade, seria a oportunidade de uma vida.
 
(Note-se que, depois deste combate, Shoji teve uma carreira prolífica, tendo lutado 36 vezes (23 lutas pela organização PRIDE), tornando-se um astro e um favorito do público japonês, que lhe conferiu o apelido de “Mr Pride”.)
 
Quanto à luta: não houve lances espetaculares. Não houve um nocaute, tampouco uma finalização. O que houve foi um embate de alto nível técnico, no qual Renzo procurou aplicar seu vasto repertório de procedimentos de submissão, sem no entanto alcançar a efetividade plena. 
 
Pode-se dizer que Renzo dominou a luta, como afirmaram alguns especialistas. Mas o fato é que suas tentativas de finalização foram bloqueadas por Shoji, que passou a maior parte do tempo desarmando as investidas do brasileiro. 
 
Além disso, pela primeira vez em sua carreira de curtos combates e impactantes nocautes ou finalizações, Renzo enfrentou uma luta longa e psicologicamente interminável: foram 3 exaustivos rounds de 10 minutos cada, e a ausência de juízes que contabilizassem os pontos resultou em uma declaração de empate.
 
(Era assim que o PRIDE funcionava em seu início: sem juízes, ou um dos lutadores vencia o combate por nocaute ou submissão, com a consequente desistência do oponente, ou a batalha era declarada sem vencedor.)
 
À parte o fato de que a presença de juízes poderia ter, sim, declarado Renzo como vencedor por pontos, o conceito de empate foi bem aplicado neste caso: tendo, ambos, as artes marciais em seu DNA, Renzo e Shoji mantiveram-se parelhos durante o confronto, em um equilíbrio de forças praticamente absoluto.
 
Assim, observar o ringue naquela noite de outubro em Tokio era como testemunhar a tradução física do princípio do Tao: yin e yang, forças contrárias e ao mesmo tempo semelhantes, oposição e complementaridade, num jogo de transmissão e transformação de energia em perpétuo equilíbrio.
 
Simbolicamente, Akira Shoji era não um homem, mas o próprio Japão. A tradição encarnada. E isso talvez representasse algo intocável no inconsciente de Renzo – um arquétipo que não podia, ou melhor: que não devia ser derrotado, pelo menos não naquele ponto de sua vida.
 
"Meu adversário é meu professor, meu ego é meu inimigo", afirmou Renzo após a luta, numa declaração que ecoava o filósofo chinês Confúcio e a doutrina do Zen. E é por isso que é possível afirmar que aquele empate teve o valor de uma estranha vitória: algo crucial tinha sido entendido ali, um fundamento que Renzo iria transmitir a seus alunos ao longo de sua trajetória como mestre. E foi preciso retornar às origens, à terra natal do Jiu-Jitsu, para compreendê-lo.