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O LEGADO DO MESTRE - Parte 1


Aos 15 anos Renzo sofreu o impacto da morte pela primeira vez, quando seu tio Rolls Gracie faleceu tragicamente em um acidente de asa-delta. Rolls era seu mestre na época: seu guia no treinamento de Jiu-Jitsu e também seu modelo como ser humano. Renzo queria ser como Rolls – como lutador, como professor, como indivíduo.
 
RENZO: Rolls era único. E ele tinha uma qualidade que eu admirava muito: a capacidade de unir a família. Era um homem absolutamente justo; e como era o melhor no Jiu-Jitsu, todos os Gracie o respeitavam. Os anos finais de sua vida foram um momento de união da família, coisa que nunca mais se repetiu... Era filho do meu avô Carlos, mas o Hélio (tio-avô de Renzo) o criou desde que nasceu. Ele chamava tanto o Carlos quanto o Hélio de “pai”. Essa relação profunda com os dois patriarcas aglutinava os segmentos do clã em torno de sua presença. Era uma figura forte, que ninguém conseguia direcionar; mesmo quando o Hélio dizia que uma coisa era “vermelha”, Rolls era o único que podia corrigi-lo e esclarecer, embasadamente, que a coisa era, de fato, “azul”... E todos nós acatávamos. Não tinha conversa fiada – ele era um líder nato. Eu passei minha infância e adolescência observando meu tio: a ausência de medo em suas atitudes, seu carisma, a determinação em fazer as coisas certas, a vontade inabalável de ser um vencedor. Isso tudo eu aprendi com ele. Ele foi o pai de várias qualidades que eu, até então, nem sabia que poderia ter: eu via nele, e aí essas mesmas características nasciam em mim... O bom professor explica; o excelente professor demonstra; o grande professor inspira.
 
Durante o período em que viveu em Copacabana, Renzo morou no mesmo prédio que Rolls, em um apartamento em frente ao do tio. Todos os dias Renzo, com 11 anos de idade, batia na porta de Rolls e ia pra academia com ele. Além do treinamento, Renzo e Rolls também conversavam bastante, em uma relação repleta de ensinamentos e histórias.
 
RENZO: Essa foi uma fase em que eu prestava muita atenção a tudo o que meu tio falava. Acho que meu hábito de contar histórias vem daí... Eu perguntava tudo pra ele, tanto sobre a luta quanto sobre a vida. E eu via que meu pai o admirava também: descrevia o Rolls como o grande campeão que ele era, contava casos sobre a coragem dele... Filhos de casamentos diferentes do meu avô, meu pai e Rolls eram os melhores amigos um do outro. Inclusive foi por esse motivo que nós fomos morar em frente a ele. Nesse ano de 1978 nossa ligação se tornou muito forte, e não me lembro de um único dia em que a gente não tenha se encontrado.
 
Renzo observava Rolls treinando, mas absorvia, sobretudo, os momentos após o treino, quando seu tio sentava com os alunos e atletas para conversar. Ele viajava com Rolls em competições e via seu comportamento com os amigos e adversários: sua maneira apaixonada de enxergar o mundo e seu jeito firme e amoroso de comandar os treinos. 
 
RENZO: Rolls tinha o sonho de construir a “academia perfeita”: um ambiente de cumplicidade e crescimento coletivo. Na realidade, a academia da 30th Street em New York é exatamente o modelo que ele idealizou. Aquela escola é o sonho do meu tio enfim realizado. Tudo o que ele descreveu pra mim, tudo o que ele imaginou a vida inteira em termos organizacionais e filosóficos, eu pude colocar em prática. 
 
Quando Rickson veio visitar pela primeira vez o dojô da 30th Street ele afirmou para Renzo, impressionado, que Renzo havia conseguido construir a estrutura ideal: as instalações, as relações humanas, a praticidade do sistema de funcionamento da lavanderia, a intercalação das aulas – começando uma turma diferente a cada meia-hora, o que facilita a vida dos alunos, que dispõe sempre de horários para treinar independente de imprevistos em suas rotinas diárias (a academia chega a oferecer 18 aulas por dia, distribuídas pelos distintos espaços). E sobretudo a atmosfera vibrante de paixão pelas artes marciais que emanava do mestre Rolls.
 
(continua)